Dalila Góes Da equipe do
Correio
Fotos: Ronaldo de Oliveira |
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Quem vê a cena não imagina que os rapazes
estão em verdadeira batalha de vida ou morte. abaixo, rose
rezende, a “mistra”: mulher é figurinha rara nos dias de
jogatina |
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O visual de uma competição de jogos de computador é
um verdadeiro atentado a quem estagnou no emocionante mundo
cibernético de Pitfall, lá pelos idos de 1986, século passado, se me
permitem lembrar. São tantas cores, tanto barulho, tantos meninos de
óculos iniciados na língua marciana que dá para arriscar pedir um
asilo por insalubridade na faixa de Gaza. O primeiro campeonato
brasiliense de Counter Strike, realizado no último sábado, foi tão
emocionante quanto qualquer partida de futebol entre Brasil e
Argentina. Pelo menos para eles, os strickers. São criaturas humanas
entre 11 e 30 anos que se entendem de um jeito tão competente que
você começa a se perguntar: ‘‘Onde diabos eu estive na última
década?’’. ‘‘Assim não dá, preciso de um milk
shake.’’ A frase, tão furiosa quanto angustiada, reflete a decepção
de uma das raras e corajosas meninas — eram apenas três — que se
juntaram a 82 criaturas do sexo masculino. Calma, senhores pais.
Tudo na vida tem uma explicação e o jogo é de família. Despachada
para casa por volta do meio-dia, Tamara, 14 anos, tratou de afogar
suas lágrimas na lanchonete da esquina. Foi e não voltou mais. É
triste, mas ninguém sentiu sua falta. Com o jogo começado às 9h,
temos muitas e muitas horas de teste à paciência e aos nervos.
O resumo básico da coisa é o seguinte: terroristas
israelenses, irlandeses, palestinos, ou qualquer outra representação
daquilo que se convencionou chamar de demo, de um lado, e o
salvadores do mundo (os policiais americanos, claro!) de outro. São
mais de trinta locações, que variam de embaixadas a aviões
sequestrados, e um arsenal bélico de matar Saddam Hussein de inveja.
Bazucas em punho, cada um examina o mapa de seu território com a
precisão de Sherlock Holmes. Meirmão, isso é guerra com direito a
telão, guaraná e hambúrguer. Counter Strike, segundo a turma, é o
jogo de computador — no meu tempo chamava-se vídeo-game — mais
famoso do mundo. Como você não sabia disso, heim?
Ritual
Na rotina sabática dos Strickers, está um ritual de enfartar
qualquer ministro do apagão. São vinte e três computadores, três
ar-condicionados, vinte lâmpadas de 20 Khw e um telão que mandaram
para as cucuias quaisquer medidas de racionamento de energia.
‘‘Mas cada máquina desliga automaticamente seu disco
enquanto o jogo está parado’’, explica, didaticamente, Christian
Ribas, 25 anos, estudante de computação da UnB, responsável pela
competição. Sendo assim... Ribas, ou melhor PontoNight (não me
perguntem o por quê do nome, porque não há uma explicação lógica)
convocou, via Internet, os amigos de São Paulo. Gente como PerePato
e Kiko, 16 anos, que têm como missão na vida convencer os pais de
que sete horas ou um dia na frente do computador são insuficientes
para a sobrevivência da raça humana. Com ou sem apagão.
‘‘No Counter é assim, quanto mais horas acordado,
mais chances de derrotar o inimigo’’, filosofa Pere, enquanto tira,
cuidadosamente, de uma lata de biscoitos forrada com um flanela
roxa, seu melhor amigo do dia: o mouse. Aliás, striker esperto não
sai de casa sem seus acessórios. Do mouse pad — aquele tapete por
onde corre o bichinho —, até teclado e se possível a cadeira mais
confortável para não doer as costas. O incrível é que não há um só
jogador — e olha que são 85 — que não tenha trazido de casa sua
parafernália tecnológica. Até trocam sérias impressões sobre o
assunto. ‘‘Cuidado aí, velho. Esse daí custou R$ 300’’, avisa, em
tom mui amistoso, El Mariachi, o mediador da partida.
Juntos, fazem piadas de coisas inacreditáveis,
ininteligíveis, dessas que a gente só ri para não passar vergonha.
Conselho feminino: mulheres leitoras, campeonato de videogame é
reduto masculino, mas... Eles não te darão atenção. Os motivos são
simples. Ou são muito tímidos, ou não falam sua língua, ou falam
algo que você acha que é português, mas não é.
‘‘Não, namorar não. Aqui é fascínio e vício pelo
jogo. Quem é fraco fica babando para aprender manobras e
estratégias. Quem é forte se sente poderoso, invencível. Mas todo
mundo se respeita’’, garante Rose Mistra Rezende, idade
indeterminada, mas que João Devil Marcelo jura ter 45 anos.
‘‘Ninguém sabe a idade dela. Mas até que joga bem’’, examina o
pequeno diabo. Sob ameaça intergaláctica a reportagem não revelará a
idade de Mistra, mas podemos negociar uma dica: tem menos de 45.
A deusa do amor — em linguagem Stricker, lógico —
foi mandada para casa ainda nas oitavas de final do jogão. Mas fez
questão de manter-se firme até as 22h, na rodada final. Ficou para
pegar as manhas e até passar para o filhos, um deles no segundo ano
de medicina da UnB (olha a dica!). ‘‘Tem filho?’’, Devil metralha
mais uma. Mistra nem ouve. P.S1 Dica de
leitura: ouça essa matéria ouvindo Smack My Bitch Up! — tradução
imprópria para um jornal de família —, da banda Prodigy. Faz parte
da top 10 dos gamemaníacos.
P.S2 Se der vontade de ler
alguma coisa depois disso daqui, que tal o manual do Counter Strike?
É a única coisa sensata que consigo me lembrar agora.
P.S3
Em tempo: PontoNight, Predat, Plusion, YronMan e Hawk-Eye foram
os campeões da maratona de sábado
Na Internet http://www.counter-strike.net/
(em inglês) http://www.counter-strike.de/
(em alemão) www.esquadbr.org/cstrike
(em português) http://www.monkey.com.br/ (em
português)
ENTENDA O QUE ELES FALAM
Palavrinhas básicas para você
não ser deletado da conversa
Aaaaaiiii Para ser repetido
em voz alta e estridente. Quanto mais alto melhor. Raríssima palavra
da série stricker que tem correspondente em português, mas não
significa nada daquilo que você está pensando. O ‘‘aaaaiiii’’ aqui é
‘‘graças a Deus não morri. Mas daqui a pouco eu pego você seu
f....’’
Alamon Entidade com nacionalidade alemã. Alguns
jogadores consideram Alamon o deus do Counter Strike. Ninguém nunca
viu, nem sabe quem é, mas acompanham seu desempenho estratégico via
Internet. Diz-se daquele que joga muito bem, é animal, é sinistro,
véi.
Respawn Digamos que Conter Strike é um jogo que
acredita em reencarnação. Em um nível você morre, mas no outro está
vivinho da silva. Ou seja, você simplesmente respawn.
Skin
Significa que você vai escolher um personagem. Ou seja, fulano
skin os polícias ou fulano skin os terroristas.
Strike
Expressão importada da tribo dos humanos que jogam boliche.
Exemplo: você joga uma bola e derruba todas as garrafas. Aí todos
gritam ‘‘strike’’ (leia-se straique). No Counter, o terrorista joga
uma bomba e mata cinco policiais, ou vice-versa, e os strikers
gritam ‘‘striikkke’’ (leia-se straaaaaique).
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